quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Uma página que merece ser virada


Virar a página para mim não significa esquecer.

31 de março de 64.

Afastamento de João Goulart, presidente eleito, e posse do Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco.

Começa a ditadura militar no Brasil. Época que experimentou crescimento econômico e recessão, censura e vanguardas culturais. Governo de extrema direita altamente repressivo. Entre os atos institucionais, a Lei Falcão e o Pacote Abril, com a atuação da ALN, COLINA e MR-8, o cabo de guerra arrastava toda a sociedade brasileira neste conflito. As idéias de Estado-Nação, liberdade e direitos humanos se degeneraram por completo.

Passados tantos anos, tudo parece muito distante. Minha geração não viveu este cenário, apenas seus reflexos. Temos informações dos dias comuns e dos dias turbulentos, de dores e alegrias, de vitimas e carrascos. A ditadura, ou "ditabranda" como alguns preferem chamar, com certeza chegou até nós com um grande escopo de dados, mas ainda assim, incompletos. Perguntar aos pais e avós é boa fonte de informação. Julgar a época com os valores de hoje, sempre pode gerar anacronismo, mas, a meu ver, ainda vale a pena arriscar.

Aaaah, os paradoxos...
Não é de hoje que ouvimos, a boca miúda, questionamentos sobre os atos realizados naquela época. Ação política e crime se misturavam quase indissociavelmente, e muitas questões ficaram por resolver, feridas abertas na justiça, na sociedade e na memória.

Alguns defendem a revisão dos fatos do período, um "exorcismo histórico" no espírito do Estado, para eliminar de vez velhos fantasmas. A idéia de formar "comissões da verdade" - pelo direito da sociedade de saber o que realmente aconteceu - ganhou força na última década, com algumas iniciativas vindas do próprio governo e de setores interessados. O impasse surge, entre outros motivos que compõe a psicogênese do sentimento de culpabilidade, porque abrir a caixa de Pandora da historia nacional dificilmente passaria impunemente pelo crivo da sociedade e pelas ações do Judiciário. Expor a época como realmente foi significa também (pelo menos de maneira mais orgânica) julgar as ações de quem lá esteve, e isto senhores, arrepia muita gente.

Nossos colegas do cone Sul estão anos-luz a nossa frente neste quesito: Argentina, Uruguai (cuja câmara dos deputados acaba de revogar a Lei de Caducidade para quem violou os direitos humanos: veja aqui) e o Chile (ainda mais à frente, com o efetivo julgamento de muitos militares, inclusive do comandante máximo General Augusto Pinochet). Acho que está no momento do Brasil dar este passo em direção a verdade também. Doa a quem doer.

Acusações de revanchismo, "cultura de ódio", manipulação política das informações trepidam quando se esbarra no assunto. Figuras importantes seriam atingidas em cheio pelos atos cometidos na ditadura, entre eles militares reformados, empresários de sucesso e políticos em plena atividade. Militares acusam governo, governo acusa militares, todos tentam se defender, mas ninguém bota o dedo na ferida por medo de se queimar. E se o governo acusa os militares, torturadores e caçadores de comunistas, e estes lhe apontam todos os guerrilheiros, terroristas, sequestradores e ladrões? Na época, todos diziam ter razão. Muitos militares apenas cumpriam ordens, e muitos guerrilheiros lutavam como podiam contra um regime que os massacrava. Agora, talvez (ou não) com alguma isenção, não seria oportuno dar a chance ao povo e a justiça de dizer quem deve ou não ser condenado? Quem cometeu ou não atrocidades? Quem foi vitima ou algoz dentro de um Governo degenerado?

Acredito que sim, por isso sou totalmente a favor de olharmos novamente ao passado e julgarmos seus atores.

Inocentes e culpados, que apareçam no tribunal, mas não se pode tirar de um povo o direito limpar seu passado de todas as pontas soltas, historias inacabadas e questões mal resolvidas. Julguemos os militares, para decidir se são menos culpados por terem sido pressionados por seus superiores, julguemos os guerrilheiros, para decidir se seus métodos de luta muitas vezes tão brutais quanto de seus inimigos eram ou não justificáveis.

Sonho com esse dia, embora ache que não irá chegar...

E você? O que pensa sobre o assunto?

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