terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Lamúrias

Há dias que você acorda um lixo. Mesmo que tenha dormido 81309171 horas, está cansado, sente fome, mas não encontra nada na geladeira que te apeteça (isso claro, quando há algo dentro dela além de gelo e alguma frutinha se decompondo), sai rapidamente de casa e mesmo assim seu ônibus não passa e você chega atrasado ao trabalho. E logo num dia em que, misteriosamente, seu chefe chegou mais cedo...

Pois é, imagino que várias pessoas tenham dias assim algumas vezes no ano. Talvez piores. Talvez não, provavelmente. Acredito nisso ao olhar o ônibus a caminho do trabalho. Logo pela manhã os olhares cansados, olhos semi-cerrados encostados na janela prestes a conduzirem ao sono e a consequente perda do ponto onde deveriam descer. Os estudantes desgranhados que não tinham energia pra procurar um roupa menos extravagante do que uma blusa amarrotada, uma calça de pijama e um chinelo de dedo, carregando suas bolsas encardidas - quase sempre com algum zíper aberto - pra lá e pra cá, sacolejando ao sabor das curvas da cidade e do “acelera/freia” do trânsito paulistano, geralmente acertando a cara do desavisado mais próximo. Os trabalhadores marcados para seus subempregos, que acordar as cinco da manhã, se entopem de café e passam o dia com a expressividade no olhar de uma vaca pastando em campos secos.

Geralmente isto se cauteriza. Você acostuma e tudo resolve passar despercebido. Mas é só acordar com um pé na fossa que tudo salta aos olhos como os monstros de Goya, e você sente aquela serena complacência no pacto mórbido de que não é o único lixo naquela manhã. Suas lamúrias são mais uma entre milhares.

El sueño de la razon produce monstros... e o da vontade também!

Entretanto, sabemos também que - ao menos assim julgo - esta letargia da vontade costuma ser temporária. Principalmente quando conhecemos suas causas, ou ao menos seu gatilho. O ethos de tudo isso geralmente pode ser atrelado a um processo de recuperação e proteção. Quando estamos debilitados, física, mental e sentimentalmente, podemos entrar neste stand by como modo de capitalizar estes incômodos.

Tão certo quanto que hoje era um dia assim, é o fato de que bastou olhar para uma senhorita de longos cabelos loiros que cantarolava displicentemente ao meu lado, com um sorriso tão natural, solto, explicito, que ela não poderia camuflar-se na atmosfera pesada do ambiente nem com muito esforço. Talvez teve uma boa noticia e as coisas estejam caminhando bem para ela, ou percebeu que tem uma vida muito boa e deve animar-se com isto, ou ainda, talvez a noite de ontem tenha sido maravilhosa. Talvez usasse drogas (mas daquelas que te deixam feliz e não das que nos deixam insossos como boa parte dos medicamento para os males da melancolia, vide o Rivotril) Talvez tocasse sua musica favorita na rádio ao sair de casa, ou uma musica que a lembrava de algo muito, muito agradável. Talvez ela fosse assim mesmo, o que duvido. Acho mais provável apenas que ela tenha acordado com um pé no Yang, enquanto eu estou a alguns dias correndo pra e pra carregando o Yin nas costas.

Todos a olhavam. Era um elemento estranho.

Também a olhava. Admirado. E sentia inveja. Queria poder sorrir daquele jeito bobo também. Despreocupado, tão leve quanto possível.

Ela me olhou de volta. Assustei, pois nem reparei que a fitava tão insistentemente. Focou diretamente nos meus olhos enquanto cantarolava, e sorriu ainda mais.

Sabe de uma coisa? Acho que felicidade é contagiosa.

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