segunda-feira, 26 de julho de 2010

Nas catacumbas da arte dramatica paulista

NESTE SÁBADO, tive a oportunidade, acompanhado de minha amiga/semiesposa/fiel escudeira Carol, de, depois de muito tempo sem assistir (culpa do Bruninho ¬¬' ainda precisamos ver "A Alma boa de Setsuan"... e comer aquela pizza na cantina italiana novamente hehehe) a uma peça de teatro, ir ao Espaço dos Satyros, na Praça Roosevelt. Tinhamos que estar lá até a Meia-noite... felizmente ainda havia ônibus. O programa era um antigo projeto nosso: a 3 anos atrás tentamos o mesmo passeio... sem sucesso (fila, horário e nosso decadente planejamento não deixaram... faz parte =/). Porém, desta vez, apesar de alguns contratempos, conseguimos chegar ao local a tempo, intactos e, importante, animados! A peça? "A Filosofia na Alcova", baseada na obra homônima do Marques de Sadê (em francês, La philosophie dans le boudoir, de 1795) adaptada por Rodolfo García Vázquez. Li o livro no segundo ano da faculdade. Já sabia o que esperar... e como esperava!!

O teatro

No coração de São Paulo, que fervilha durante as noites mesmo com a famosa violência, é a síntese de umas das facetas da cidade: a convivência de figuras distintas e contrastantes num mesmo espaço ao mesmo tempo. Velhos, jovens, intelectuais, estudantes, músicos, atores, moradores de rua, travestis, prostitutas, empresários, tudo junto ao mesmo tempo, respirando do mesmo ar, interagindo, misturando-se numa estranha harmonia. O espaço é pequeno, acanhado, de faixada simples e ornamentada com fotos da cidade e cartazes de atrações culturais. Há um bar simples, mas aconchegante.  No caso, fomos ver a peça num segundo espaço, mais adiante na rua, separado por alguns metrô, onde não havia bar. Ao chegar lá, não é muito difícil se orientar. A espera no hall de entrada pode ser oportunidade para boas conversas e alguma amizade inusitada na fila de espera. 




Logo somos conduzidos ao local onde será encenada a peça. Descemos uma escada e adentramos um "porão" (neste instante penso nas catacumbas, escondidas, misteriosas, a salvo do "Psiu"...) a meia luz, de aparência antiga (como é característico de praticamente tudo no centro de São Paulo), realçada pelo insinuante improviso nas instalações. Muito charmoso!! No palco, a representação de um tocador, com divã, piano, espelho e uma moldura gigantesca. Entram todos. Fecham-se as portas, apagam-se as luzes. Não há para onde correr amigo! Se te arrependes agora, já é tarde. O jeito é respirar aquele ar parado de clausura, e entrar de cabeça na experiência!

A peça

Sobre ela se fala pouco, porque isto meus queridos, SÓ ASSISTINDO!!! Ela causa um leve choque mesmo quando se espera situações impactantes, mas nada que você não possa contornar, com um pouquinho de boa vontade e alguma curiosidade. A nudez, o sexo, a violência e a escatologia são parte do processo, e não destoam no ambiente libertino, que tematiza a obra e é vivamente interpretado na peça. Caso isto incomode, sugiro que façam um esforço, pois jamais sugeriria a um amigo que não fosse àquele espetáculo. É exuberante, vivo e provocante como a obra que o inspira. Trás cenas de grande beleza e (algo inesperado) prima pelo humor impecávelmente colocado que amortiza muitas das agressivas premissas da obra. Os atores são intensos, vorazes e carismáticos. Alguns belos corpos, a iluminação que dita o ritmo da ação e a trilha sonoro bem escolhida são algumas das atrações. Me agradou também a passagem referente ao texto "Franceses, mais um esforço se quereis ser republicanos" (minha passagem favorita da obra, que pode ser lida aqui) que foi competentemente arranjada.



Ao final, fica um misto de contemplação e alivio. Todos são meio catatônicos, o que me parece bastante natural. Também saem apressados para seus destinos, pois o teatro esta fechando e já estamos no melhor da madrugada, sempre repleta de possibilidades. Nos dirigimos para a Augusta, logo ao lado, território conhecido, onde circulamos a vontade.

E fico pensando que a alcova vem antes do quarto, onde as pessoas se despem de tudo aquilo que utilizam em público, nas ruas ou salões... e algumas coisas ficam mais claras...

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