sexta-feira, 25 de junho de 2010

Publicidade e fetiche

Não é novidade para ninguém que, diariamente, somos submetidos a um verdadeiro bombardeio de informações. Expressar-se, ser visto, sobressair do panorama geral tornou-se uma necessidade vital em meio a um número tão vasto de estímulos. Basta sair a rua para notar: andando por uma avenida você tem as lojas anunciando seus serviços, tentando mostrar qualidade, boa apresentação e porque seriam capazes de fazer seu trabalho melhor que as concorrentes. Slogans buscam pinçar aquele mínimo pedacinho necessário de atenção que faz com que aquele estabelecimento seja alguma coisa em nossa consciência, já atribulada com seus próprios pensamentos. Pessoas surgem caminhando pelas calçadas. Pessoas das mais diversas formas, tamanhos, cores e vestimentas. Numa olhada rápida você já nota as que aparentemente vão a escola, que vão ao trabalho, que correm para pegar o ônibus, que não tiveram tempo de se arruma, que acordaram em cima da hora e tomam o café na rua, que querem apenas seguir seu caminho e as que desfilam, imponentes, pavoneando ao lado da sarjeta para desfrutar de algum olhar mais aprazível. Carros velhos, novos, importados, populares, passam a todo instante. Talvez a Land Rover seja de um médico, e o Chevette descascado de algum peão de obra.

Preconceito? Sem duvida! Pré-conceitos. Formulações mentais quase instantâneas, baseadas em pressupostos já existentes em nossa memória e experiência. Nossa consciência trabalha com incontáveis "gavetinhas". quando uma informação chega a nós (e são muitas!! Dezenas de milhares diariamente de acordo com estudos recentes, sendo que é urgente ao nosso cérebro fazer com ela. Logo virá outra, não podemos parar!!! logo vira outra!!!) prontamente colocamos ela em alguma destas, talvez para apreciação futura se precisarmos dela, talvez não. Pré-conceitos são o resultado de elaborações previas do cérebro sobre determinados elementos, criando um "lugar" para este ocupar quando for encontrado novamente, uma espécie de "economia", otimização de processos cerebrais que utilizam com mais eficiência nosso tempo e energia na apreciação de informações diversas. Estas são operações tão naturais quanto corriqueiras, e seu produto não deve ser confundido com discriminação ou preconceito no sentido jurídico ou corriqueiro (por isso uso o hífen).

[i]Pré-conceitos todos nós utilizamos. E são essenciais para nossa atividade cognitiva diária.[/i]

Até aqui nenhuma novidade. Como também não é o fato de que esta característica foi muito bem apreendida e utilizada por agências de publicidade ao redor do mundo, principalmente com a possibilidade de novas mídias e ações de merchandising. Desde a substancial revolução neste tipo de abordagem informacional feita na Alemanha Nazista (os Comícios de Nuremberg organizados por Goebbels, símbolo máximo da propaganda do Reich, assim como os filmes-propaganda de Riefenstahl, do famoso "Triunfo da Vontade", fácil de achar na net), há tanto a necessidade quanto o know-how de industria, comercio e prestadoras de serviço, através das agências especializadas, para realizar este trabalho, que consiste basicamente no seguinte: Transformar o objeto de nossa apreciação em [b]Fetiche[/b], ou seja, criar em nós um pré-conceito para ele.

O fetiche, comumente identificado como algo obscuro, primitivo ou pornográfico (muitas vezes todos simultaneamente) é o objeto ou o anseio por tal objeto, não mais dotado apenas de suas características materiais e físicas, mas também de outras, que se acrescentam as primeiras (também podem maquiá-las, mas jamais eliminá-las). É o substituto ideal, para os publicitários, da mercadoria. Numa economia feroz e competitiva, atingir tal resultado é necessidade de sobrevivência; transforma seu produto em um canalizador de desejos!

Objetos fetichizados sempre existiram, desde pedras mágicas, amuletos de sorte/azar, totens, à objetos mais naturais (Por exemplo: os 4 elementos. Relacionamos fogo a poder e destruição. ao fazê-lo, tornamos o fogo um fetiche). Entretanto a "arte" de criar fetiches, é mais recente. Remonta a sua matriz medieval, onde a Igreja é a primeira instituição organizada neste sentido (instituição, não homem, já que na antiguidade qualquer um com poder para realizar este procedimento o faria. Ex: Imperadores e sacerdotes determinando o que é sagrado) de engendrar uma ação massissa de fetichização, onde todos os seus elementos constituintes veste o santo manto do sagrado. ela tenta englobar aquilo de que ao qual ela se refere, tornando-se dona do próprio objeto, pois tudo que é sacro pertence a ela, desde seus templos, até a palavra do padres que revela os mistérios da "Palavra" divina.

O fetichismo é um tipo de mistura difícil de penetrar. Uma vez estabelecido, não é mais uma tarefa estabelecer onde começa o objeto e onde começa "o fetiche que possuímos por ele". Isto foi bem percebido por Marx, ao identificar a mercadoria com uma "potência estranha". O valor das coisas, muita vezes vai na contramão do seu valor de uso, o que é amplamente explorado; algo não é bom geralmente se faz somente o que devia fazer (?!?!?!), pois uma boa bolsa deve capacita-la a ser observada pelas outras como uma mulher mais bem sucedida, um bom tênis deve ter um design agressivo que nos lembre do quando podemos ser rápidos com ele, um perfume deve mostrar aos outros que eu sou uma pessoa discreta ou sedutora, enfim, uma série de "serviços anexos" que estes produtos são capazes de oferecer  (sorrindo) cultura, comunicação e consumo não produzem apenas valor econômico, mas valor [i]per si[/i].

A idéia geral é de que o produto deve nos colocar em estado de estupor, que possamos nos abrir sem amarras a algo que modifica nossos sentidos. Aqui olhar apenas não basta; devemos "comer com os olhos"!!! Para isso, usasse um mix de voz-imagem-som, para compor suas apresentação. O objeto não é mostrado a nós. não tomamos contato com ele. A publicidade passa "industrializar" imagens. Ela oferece performance!! e mais do que isso: torna o ato de comprar, a aquisição do produto, a perpetuação desta performance, tornando-nos não apenas os donos do produto, mas parte dele!! Afinal, se mostram um carro como bom e desejável, ao adquiri-lo mostramos a outros que, sim, tal carro é bom e desejável, tanto que eu o possui.Nada é casual na publicidade exatamente por isso!! Para este transito ativo entre produto e consumidor, a relação de consumo deve ser estimulada a cada instante, e tudo serve de gatilho.

Este é o panorama normal, que infui em nossa tomada de decisões ou escolhermos a marca A em vez da marca B sem maiores consequências para nós individualmente (mas ótimas para as empresas (viva)). A compulsão por compras (superlativo do papel de consumidor) ou a transição para "homercadoria" (quando o individuo migra até o outro extremo da relação, tornando-se não produto, mas criando uma "auto-representação superfetichizada" de si. Exemplo: Suicide Girls) são consequências possíveis, mas não frequentes.

Conhecer esta relação favorece a elaboração da consciência dos procedimentos envolvidos nela. Agências publicitárias não são "conspirações demoníacas" para nos fazer desejar coisas que não precisamos: o [b]Desejo[/b] já existe em todos nós, elas só nos mostram os produtos-fetiches por onde ele pode fluir para além de nós. O que nos cabe é sim policiar a maneira como esta apresentação é feita. Não deve ultrapassar o convite para tornar-se um "estupro sensorial". Deve sim haver ética nesta relação. E para isto não é preciso "censura prévia", mas sim que cada vez mais consumidores sejam capazes de discernir os diversos estratos deste movimento performático, conscientizados sobre seus produtos, suas necessidades, suas possibilidades, para que o ato de comprar tenha a menor chance possível de gerar frustração, arrependimento e desgaste nesta relação, o que é ruim para consumidores, empresas e agências, que terão ainda mais trabalho para resgatar uma imagem corrompida. Devia ser do interessa geral, e espero que um dia assim seja.


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Alguns videos que exemplificam está carga simbólica presente na publicidade. Geralmente o intuito é evocar referência sexuais, de reconhecimento e de glória.














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